Homem com H e os afetos
A cinebiografia de Ney Matogrosso e os ensinamentos sobre os "gostares" por alguém, até por si mesmo.
A semana passada brindou a um público mais amplo, pois ingressos de cinema estão caros, com a película “Homem com H” (2025) do diretor Esmir Filho. Poderia passar desapercebido ao público da Netflix e os vários títulos lançados e esquecidos no dia seguinte, se não fosse por tratar de um patrimônio (i)material brasileiro chamado Ney de Souza Pereira. De como seus afetos nos afetaram.
Mais do que um mísero homem de Neanderthal, em vincular a música pela qual começamos a jornada em sua “floresta”, a infância do filho de militar da Aeronáutica apresenta uma realidade onde a masculinidade sensível era tratada como depravação moral. Longe de se ater as violências simbólicas realizadas pelo patriarca, o protagonista se liberta das amarras sociais a todo momento para se encaixar. Para viver seus principais instantes da vida e carreira como adulto, o ator Jesuíta Barbosa pintou-se na tela nos agraciando com uma belíssima performance.
Tão somente um rapaz de cara pintada com o grupo “Secos & Molhados”, a androginia e as características femininas acrescentadas a sua persona animalesca fizeram de Ney um ponto fora da curva na forma de interpretar a canção. Da voz fina, as sílabas direcionam uma canção de ninar violenta pelos ouvidos. Como elas nos atinjam deixam lágrimas a cair por nossa face.
Pepeu Gomes em sua música “Masculino e Feminino”, de 1980, após a chegada do furacão Matogrosso ter passado e continuado a riste, declama de que “ser um homem feminino não impede o meu lado masculino”. Este sendo um efeito indireto do quão importante era (e ainda é) discutirmos funções de gênero através dos sentimentos se integra numa sociedade preconceituosa no Brasil desde aquela época. Independente da roupa, da falta dela, de qual maquiagem usa ou em que Deus acredita, as tuas definições sobre sentir vão além de ser homem ou mulher apenas.
Expor seus sentimentos, trejeitos e formas de se expressar compreendem as suas formações psicológicas e sociais. Não seremos menos homens a chorar vendo um jardim florido e amando quem quisermos e menos mulheres por curtir caminhões e esportes. A figura do velho Ney que nos orgulha com suas músicas e sendo a bandeira paras as comunidades LGPTQIAPN+ retrata viver para sermos quem nos sentimos felizes.
A vida dele foi regida pelos afetos, sejam breves ou um tanto exagerados jogados aos seus pés (cof cof). Esmir e Jesuíta nos transmitiram o “amor de um bicho” em todos os seus espectros. Seja ele pelo desempenho, pelo corpo, o desejo do reconhecimento e acima disso o de expressar a si sem limitações. Um Ney renovado e entregue as novas velhas gerações de que ser possível transmitir afetos sem perder a majestade. E como é!



